A primeira vez que a Dona Silvia e o Seu Washington olharam no fundo dos olhos de seu filho, tinham certeza de que ele seria um menino muito especial. Talvez isso explique o fato de terem dado três nomes próprios a ele, bem como os reis fazem com os príncipes. Othon Douglas Francisco da Silva é um jovem tímido que não esconde seu desejo de sonhar e, apesar de ter enfrentado poucas e boas em seus apenas 20 anos de idade, não perdeu a vontade e a força de tornar seus desejos realizados.

Othon nasceu em 1993, na Cidade Julia, Zona Sul de São Paulo, um bairro simples que não foi dominado pelo tráfico e violência escancarados, como nas regiões vizinhas. Esse fato foi decisivo para que seu destino e de seus amigos seguisse pelo caminho do bem, não tendo nenhum colega de infância envolvido com o tráfico ou bandidagem.

Sem saber muito o porquê, ele conta que no terceiro mês de vida enfrentou uma cirurgia na garganta, que deixou sua superprotetora mãe de cabelos brancos. Apesar disso, sua infância foi como a de qualquer outro menino, muita correria, brincadeiras na rua e, é claro, um pouco de vídeo game. E um sonho bem comum entre os garotos das periferias: o de ser jogador de futebol.

Talvez o destino não tenha sido muito justo com os sonhos do menino Othon Douglas ou, para os otimistas, o cômodo acaso se encarregou de tomar as próprias decisões. Logo após completar 12 anos, como de costume em uma tarde qualquer, ele assistia à televisão no sofá da sala. Lembra, rindo, que passava um filme da Barbie, o que não despertou muito seu interesse. O que ele não sabia era que nesse dia, em um piscar de olhos, sua vida mudaria drasticamente.

Uma mancha branca dominou o seu olho direito por completo e, assustados, seus pais o levaram a uma clínica de oftalmologia. Diagnóstico: ceratocone. Doença ocular que atinge uma a cada duas mil pessoas. Pela pouca idade, o transplante de córnea oferecia grandes riscos de morte, mas ele não se deixou abalar e enfrentou a segunda cirurgia de sua vida com a cabeça erguida. Para um menino de apenas 12 anos, Othon encarou a situação como um adulto, o que o fez amadurecer mais rápido do que os jovens de sua idade.

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Um ano após o transplante, outro susto. Um colega da escola atingiu o olho de Othon, que na mesma hora ficou vermelho e lacrimejou muito. Desesperados novamente, os pais levaram o garoto ao oculista, quem deu a notícia mais temida. O órgão estava sendo rejeitado pelo corpo, mas, felizmente, foi possível reverter a situação somente através do uso de colírio.

Ele conseguiu seguir a vida de uma maneira saudável, porém limitada. Sabia que seu grande sonho já não seria mais realidade. Devido ao transplante, Othon não pode mais correr, fazer força, praticar esportes e exercícios físicos. Ou seja, o menino que idealizava se tornar jogador de futebol, já teria que encontrar algo novo para sonhar. E foi o que ele fez. Com a influência de sua mãe, presente também em muitas outras áreas e aspectos de sua vida, decidiu que quer cursar faculdade de Direito e se tornar juiz. Mas esse plano ainda está um pouco distante, pois seu projeto de vida, em curto prazo, vislumbra algo diferente.

O menino de sorriso tímido, mais uma vez influenciado pela mãe, começou a participar do Programa Preparação para o Trabalho, PPT, na Instituição Frei Tito. O projeto prepara os jovens para o mercado de trabalho e ajuda a tirá-los da vida ociosa nas ruas da comunidade. A falta de lazer e cultura faz com que esses jovens busquem a instituição não apenas para aprenderem sobre o mercado de trabalho, mas também para ocuparem as tardes desocupadas com cultura, educação e comprometimento. A princípio desconfiado e inseguro, Othon não sabia ao certo se era aquilo que queria, mas seguiu o coração da mãe. E como já diz um velho ditado: “coração de mãe nunca se engana”.

Porém, pela terceira vez, Othon teria que enfrentar mais uma doença. Dessa vez, algo delicado e muito pessoal: torção do cordão espermático. Mas felizmente, a situação foi contornada e, mais uma vez, ele continuou a seguir sua vida sempre com um sorriso no rosto.

Antes de concluir o curso, Othon se envolveu em outro programa, o Projeto Mudando História, atualmente conhecido como Projeto Mediação de Leitura, da Ação Comunitária. Ali, se formou mediador, multiplicador e multi-multi, propagando o desejo pela leitura e estimulando crianças e jovens a gostarem de ler. Ele mesmo admite que não tem o costume de ler, mas se orgulha em contar sobre a formação desses jovens.

Othon se destaca dentre os adolescentes de sua idade. Um menino responsável, maduro, dedicado e solidário. Características típicas de um verdadeiro pisciano. E por ser assim, ingressou em mais uma jornada, um curso técnico de administração. Na época, trabalhava como operador de caixa em um supermercado, mas um convite viria mudar, mais uma vez, seu caminho.

Inesperadamente e inexperiente, foi chamado para ser gestor do curso PPT do Frei Tito, com apenas 19 anos de idade, onde tinha se formado há apenas dois anos. A princípio receoso, Othon aceitou o desafio e começou a trabalhar na divulgação e organização do curso. Mas pela quarta vez, o jovem enfrentaria mais uma dificuldade.

Apesar do sorriso no rosto relembrando o passado, Othon viveu dias difíceis no começo do ano de 2013 e, pela quarta vez, foi parar na mesa de cirurgia. Nessa ocasião, uma gravíssima apendicite quase tirou a sua vida, mas o guerreiro se levantou e ganhou mais essa batalha.

O jovem acanhado conta com orgulho a sua história de vida para os alunos do curso. Diz, timidamente, que os alunos os veem como um exemplo de vida, apesar de não se considerar exemplo de nada. Com a força e a coragem de um adulto, ele enfrentou as dificuldades de nariz em pé e não desistiu de sonhar alto.

Hoje, se inspira em grandes articuladores e empreendedores sociais e quer construir uma vida dedicada à vida dos outros. Por seu carisma, Othon desperta o lado humano com quem conversa, pois seu amor pelo trabalho social é contagiante. E a Dona Silvia estava certa mesmo, o garotinho que segurou no colo no dia 14 de março de 1993 se tornaria um grande homem, corajoso, persistente e um exemplo de fé e força.